O PRATO QUEBRADO, por Frutuoso Chaves

(Imagem: Infomoney)

Que maravilha! Tinha em mãos aquilo pelo que tanto lutara: o visto de permanência no País dos seus sonhos. Fora-se, finalmente, o tempo da clandestinidade, da fuga da polícia, da exploração em empregos ocasionais com salário duas vezes menor do que o destinado aos ali nascidos.

Quando a coisa ficou muito preta, pensou em voltar para casa, intento, porém, do qual desistiu ao imaginar a zombaria dos amigos de infância e da vizinhança em geral que já não mais aguentavam a história do seu embarque para o estrangeiro, “em busca do sucesso e da grana”, desse modo contada por um pai orgulhoso. Não, não permitiria tamanha humilhação, nem a si nem aos seus. Morreria por ali mesmo, se fosse o caso.

Mas assim não seria. O visto de permanência e, com ele, o trabalho correto, autorizado, em breve lhe permitiriam a boa sorte e o bem-viver. A terra das oportunidades já lhe sorria. Que bênção!

Documento à mão, não deixou de lembrar dos dias mais duros, ao longo dos quais o insucesso o agoniava tanto quanto a perda iminente daquelas paisagens, daquele clima de quatro estações bem demarcadas: primavera florida, verão ameno, outono com folhas cadentes e inverno com gelo. Ah, a primeira neve, como esquecer dela?

Foi quando o vento norte soprou-lhe, em inglês, os versos e a melodia de “Autumn Leaves”, as folhas outonais que o cancioneiro francês dispôs ao mundo, em 1945, com o título (aqui, aportuguesado) de “Folhas Mortas”. Antes, lembrava da “Iracema” de Chico e, compreensivelmente, se punha na pele dessa moça, um anagrama de “América”, como querem os entendidos na obra de José de Alencar, autor da trilogia indianista não relacionada, evidentemente, às migrações mal, ou bem-sucedidas.

“Iracema voou para a América/Leva roupa de lã e anda lépida/Vê um filme de quando em vez/Não entende o idioma inglês/Lava chão numa casa de chá”, cantava-lhe aos ouvidos, nos tempos mais difíceis, o Chico sempre disposto a denunciar as desigualdades, o desamor e a estupidez de um sistema que expatria parcela expressiva da juventude para o padecimento em terras alheias.

Avancemos no tempo. Seu Januário e Dona Helena começaram a notar depósitos na conta bancária que a ambos propiciava, até então, saques pelo cartão onde pingava o benefício magro da aposentadoria, não mais do que isso. E logo intuíram de onde provinham. Três meses depois, receberam a cartinha do filho mais velho com orientações para o emprego desse dinheiro. Atenderam, primeiramente, à recomendação para compra do telefone doravante utilizado nas conversas diretas, em viva voz.

Somados dois anos desses repasses, aqueles pais tinham o suficiente para aquisição de um belo sítio, à pequena distância da ponta de rua onde viviam, como lhes fora recomendado. A camionete e a carteira de motorista do caçula viriam a seguir. Que bom!

E, aqui e ali, a vida transcorria sem percalços até a quebra de um prato no piso aquecido da cozinha americana, quando lá fora o termômetro marcava dez graus abaixo de zero. “Que diabo! Por que, nessa terra de tanta tecnologia, ninguém fabrica prato inquebrável?”, perguntou-se o dono da casa, ao juntar os cacos. Incomodou-se, também, com a nevasca ininterrupta, impiedosa, deprimente. Quando essa coisa iria parar?

O duralex foi a primeira das suas saudades. Vieram, em seguida, a do filtro de barro, a dos ímãs na geladeira, a do porta-ovos em formato de galinha, a das flores de plástico na mesinha de centro, a do pano de prato na cozinha materna com desenho de um coqueiral e a frase bordada em ponto de cruz: “Lembrança de Tambaú”.

Até então, jamais achara que algum dia, sob qualquer circunstância, poderia sentir falta disso que os refinados relegam ao mau gosto da gente mais simples, ao demodê, à vulgaridade, à cafonice. Nem imaginara que aquelas árvores peladas nos outonos compridos, aquele frio de gelar a alma, aquela comida sem graça e aquele povo sisudo seriam capazes de aborrecê-lo, dia a dia, cada vez mais.

Retornou à casa paterna, pouco tempo depois, tendo em mente a pequena Dorothy e sua sentença: “Não há lugar como nosso lar”. Mas escondeu isso de Deus e do mundo. Nunca tomaria para si os reclamos da garota, quando na terra mágica de Oz, com suas carências. Isso era pranto de menina. O saco cheio é que o fizera voltar. E, afinal, voltava para um sítio do qual poderia viver, uma camionete novinha em folha, o clima quente, os temperos nordestinos e os pratos duralex das avós e mães.

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MADONA, QUEM DIRIA, FOI PARAR NO NILTÃO! por José Mário Espínola (*)

Torcida do Ricão (Foto: José Mário Espínola)

Ao longo das duas semanas que antecederam o jogo não se falou em outra coisa, nas rodas de futebol, nos bares, nas rádios e na TV. Também pudera, a notícia não podia ser mais sensacionalista: aproveitando o show que ia dar na praia de Copacabana, a pop star Madona iria assistir o jogo do seu time de coração, o Botafogo de Futebol e Regatas. Ninguém sabe como, mas o fato era que ela ia.

A decisão seria na tarde do domingo, em pleno Estádio Nilton Santos, carinhosamente chamado de O Niltão, pela torcida. O show seria na véspera. A notícia dizia que ela só aceitou se apresentar no Rio de Janeiro, naquela data, por que coincidiria com a final do campeonato. O Botafogo enfrentaria justamente o Flamengo, para aumentar o suspense.

O adversário estaria à altura de uma pop star. Mas não era o jogo em si aquilo que ela queria ver: queria ver o time, especialmente os craques Tiquinho Soares e Túlio Louco Abreu. Pois desde a adolescência que ela sonhava em ver seu time jogar, e a oportunidade era aquela.

***

Os vôos para o Rio de Janeiro lotaram, vindos de todo o Brasil. Inclusive da nossa João Pessoa, onde a companhia teve que botar um avião extra para carregar a nossa torcida, especialmente a Torcida do Ricão, providenciado pelo grande André, que vendeu as passagens de todos, com lucro pra nós.

O vôo especial veio de Natal, com a torcida potiguar liderada pelo Grande (enorme!) Cycy. Já pousou no aeroporto Castro Pinto com a charanga a tocando a todo volume.

A Torcida do Ricão embarcou, comandada pelo próprio Ricão. Lá estavam com ele os mais fiéis torcedores do Glorioso em nossa cidade: Joca; Jair; Chumbinho; Rôrrô, a musa da Torcida do Ricão; André; Major Alessandro; Norat e Ronald; Almiro; Ana Laura e Ricardo Espínola; Teddy e família; os advogados Magela e André; Afro; Mota; Epitácio; Caio e seu pai, Valdir.
Os irmãos Nelson e Nemesius não podiam faltar. Nem Latilson e Mateus Coelho; Dr. Sergio; Ferrari; o pequeno Doutor e sua boca exaltada; Almir; André e Seu Edgar. Luciano Cartaxo; o psiquiatra Dinarte; João Ricardo; Silvino e os médicos João Modesto e Roberto Sérgio. O engenheiro Fernando Dias e Beto Dodô, carregando consigo a sua inseparável Corda, e o seu irmão, o professor Valdir.

O amigo e enxadrista Hélio Albuquerque também foi. Mas, exibindo aquela barba, no aeroporto ele foi confundido com o falecido Bin Laden e quase não o deixaram embarcar.

Marconi Formiga estava lá, sempre fiel. E também Zé Maria; o engenheiro Zé William; o meu amigo Zé Hugo; os enxadristas Fabiano, Túlio e Daniel Lavogarde.

Max Guedes Pereira antecipou a sua volta do Caminho de Santiago para não perder o vôo. O engenheiro Carlos Pereira; Dr. Sebastião, o Defensor do Pulmão. Lá de Patos, comandando a torcida, vieram Ronaldo e Cirino, do DER. Clécio Bocão quase perdeu o vôo, mas conseguiu embarcar.

Em Recife, embarcaria o cirurgião Luiz Alberto Leite, torcedor desde menino, lá em Misericórdia. Em Maceió, embarcaram os irmãos Marcelo e Karlisson Valeriano. No Rio de Janeiro, já nos esperava o nosso anfitrião, o grande botafoguense Luiz Carlos Soares.

Até o Mudinho e o Picolezeiro da Torcida do Ricão… Fizeram uma coleta e os levaram pra ver a Madona e o Botafogo! O Mudinho, que embora assistisse jogos na Torcida do Ricão, era conhecido como torcedor do Vasco. Ele foi delicadamente intimado por Ricão, que disse: “Olha aí, misera! Num vai torcer contra o nosso time! Não pode dar um pio contra o Botafogo! Se não, vai voltar a pé, seu misera!”

Lá no céu, sentados nas nuvens, as almas de meu pai, Chico Espínola; do grande Moreira, zagueiro caceteiro; de Zé Rui e do Professor, além de Tiago e Nelson Júnior, estavam todos lá em cima, torcendo pelo BotaFogo.

***

O estádio estava lotado. Uma festa! Os torcedores, muito excitados, cantavam hinos e construíam imagens de seus ídolos. Primeiro foi a do Garrincha, debaixo de aplausos uníssonos. Depois Nilton Santos, que foi o maior lateral esquerdo do mundo, de todos os tempos, e que emprestou seu nome ao estádio.

Os alto-falantes anunciam a escalação: Jefferson. Joilson, Juninho, Carli e Cezar Prates. Tchê Tchê e Túlio Guerreiro. Júnior Santos, Lúcio Flávio, Tiquinho Soares e Louco Abreu. Todo mundo vibra: “É seleção! É seleção!” Madona nem é mencionada.

À medida que o tempo passa o clima de festa torna-se mais e mais elétrico. Todos procuravam enxergar a Madona, nas arquibancadas e nos camarotes. Mas nem sinal dela.

De repente os alto-falantes anunciaram a entrada dos dois times em campo. Explosão de fogos, enormes tochas de fogo se ergueram diante da torcida. Delírio geral! O maior frisson nas arquibancadas!

As duas equipes se perfilam para ouvir o Hino Nacional. Mas as arquibancadas só cantam o hino do Botafogo: “… tu és o Glorioso, não podes perder, perder pra ninguém!!”

Logo mais o juiz apita, dando início ao jogo.

Zé Mário (e) com amigos na torcida pelo Glorioso

PRIMEIRO TEMPO
Tiquinho toca para Júnior Santos e corre para a área adversária. Júnior Santos toca para Tchê Tchê e também corre para receber o passe à direita.

Tchê Tchê domina, livra-se do marcador e sai correndo com a bola, entrando na área, funcionando como o elemento surpresa. Antes disso é derrubado: falta perigosa!

Quem vai cobrar é Lúcio Flávio, o melhor batedor de faltas de todos os tempos. Daquela distância ali, falta frontal, pra ele é pênalti! Chuta, a bola passa raspando a trave: “UUUHHHH!”, reage a torcida soltando um urro.
E nada de Madona…!

Ataque do Flamengo pela ala direita do Botafogo. O lateral deles vai até a linha de fundo e cruza para a área. Carli tira de cabeça pela linha de fundo: escanteio.

Cobrado o escanteio no segundo pau, Jefferson salva a testada do atacante deles e rapidamente joga a bola para Tchê Tchê. Ele leva a bola e passa para Cezar Prates, que vai até a linha de fundo e cruza para a área. Tiquinho mata no peito, chuta pra Louco Abreu, que faz um belíssimo gol de voleio: 1 a 0!

A torcida vai à loucura, as bandeiras balançam nervosamente, o mais belo escudo do mundo é içado ao longo da arquibancada!

Mas nada da Madona aparecer…

Ataque do Flamengo pela esquerda, chegando à linha de fundo. O atacante é desarmado por Carli, que passa a bola para Túlio Guerreiro. Ele leva até metade do campo e lança para Joilson. Joilson vai à linha de fundo e centra para a área. Tiquinho recebe e passa de cabeça para Júnior Santos, que vinha chegando mas é desarmado.
Falta contra o Flamengo. Muito distante, porém Juninho pega a bola, recua bastante, faz carreira e chuta forte. A bola atravessa a barreira e derruba o goleiro.

Jogo parado para dar assistência ao goleiro do Flamengo. Parece que não dá mais para o goleiro, sai de maca. Afinal de contas a pancada foi forte. Entra o goleiro reserva.

O resto do primeiro tempo só deu ataques do Flamengo. Mas o Botafogo soube segurar o ataque adversário, às vezes recorrendo a faltas, pois Juninho e Carli não eram caceteiros, mas eram dois zagueiros viris, como fora o Grande Moreira, que assistia a tudo lá do céu.

O árbitro apita: fim do primeiro tempo. No intervalo, Bombinha faz a performance de Sidney Magal. É aplaudido pelo Niltão em peso!
E Madona, que é bom, necas!

SEGUNDO TEMPO
Já a partir do apito inicial o Flamengo só faz atacar. E nós administrando o resultado, agüentando a defesa, mas sempre levando perigo nos contra-ataques.

Mas tem que sair logo o segundo gol, pois segundo o teórico Fernando Dias, “ganhando por um, ganhando por nada!” Pois numa bola parada o adversário pode empatar.

Até que numa jogada maravilhosa, bola de pé-em-pé, Tiquinho Soares recebe na frente da zaga, dribla o zagueiro, tira o goleiro e faz o segundo gol, para explosão do Niltão! Que gol! Que festa!

O Botafogo passa a administrar o jogo até os minutos finais, vencendo e convencendo as imprensas carioca e paulista, cujos comentaristas têm muita prevenção contra o Glorioso.

O juiz dá 10 minutos de acréscimo. A torcida explode protestando, elogiando muito a mãe dele! Esgotado o tempo, o juiz pede a bola e dá o apito final: fim de jogo! 2 a 0: Botafogo campeão carioca! Festa no campo e nas arquibancadas!

***

Mas, e cadê Madona?! Isso mesmo: onde estava a mais nova musa do Botafogo? Aquela pop star que se revelou ser pé quente, a anti-Mick Jaeger?!

A essa altura todos já estavam conformados, já nem se lembravam mais dela: deixando o estádio embriagados pela vitória e o título, além da cerveja, só falavam do jogo. Tinham a certeza de que tudo não passou de um golpe publicitário, provavelmente espalhado pela própria diretoria, pra dar renda.

E partiram de volta para as suas cidades, exaustos mas felizes: derrotar o Flamengo, ainda mais com o título de quebra, é vitória dobrada. Mesmo sem ver a Madona.

O fato é que, procurando somente nas arquibancadas e nos camarotes, e depois de olho somente na partida, ninguém prestou atenção nas equipes em campo.

Pois nunca antes na história do Niltão apareceu uma gandula de boné, tão bonita e charmosa como aquela lá embaixo, devolvendo as bolas!

FIM DE JOGO!

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(*) Alvinegro Fanático 

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O GRANDE KILAPY, por Frutuoso Chaves

Cena de ‘O Grande Kilapy’ (Imagem: YouTube)

A grade de programação do Canal Arts & Entertaimment, da NET, traz “O Grande Kilapy”, filme saboroso de Zezé Gamboa, homem que se tornou a mais importante referência do cinema angolano.

A narrativa fluida, segura, tem encanto especial para o público paraibano, em razão de passagens pela orla e prédios que assinalam a diversidade arquitetônica de João Pessoa. Chamam, particularmente, a atenção dos que moram, ou conhecem a cidade, as cenas tomadas diante da antiga sede dos Correios e Telégrafos e do Liceu Paraibano, prontamente reconhecidos.

Conta-se que Zezé Gamboa tomou-se de amores pela Capital da Paraíba ao participar da quarta edição do Cineport, o Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa aqui abrigado.

Ele teria enxergado grande semelhança da paisagem urbana local com a Luanda dos últimos anos da colonização portuguesa, onde parte do enredo transcorre. Os tratos com a Prefeitura Municipal iniciaram-se em meados de 1999 e, um ano depois, o pessoense deparava-se com as filmagens das quais participavam atores do quilate de Lázaro Ramos (com o papel principal), Antonio Pitanga, Maria Ceiça e nomes europeus a exemplo de Manuel Wiborg, Sílvia Rizzo, Filipe Crawford e Alberto Magassela, este último um ator moçambicano radicado em Lisboa.

Lázaro encarna “Joãozinho”, amante das noites e das mulheres, um boa-vida transformado em herói e retirado da prisão (com a libertação de Angola) para onde fora levado em razão de subtrações do Banco Nacional a serviço de amigos revolucionários, mas, sobretudo, como bom malandro, em proveito pessoal.

Ficcional, o enredo é um tanto anárquico. Começa num terraço de Lisboa, onde um amigo, provocado sobre o assunto, relembra as peripécias de Joãozinho. Ficção à parte, há artigos acadêmicos nos quais o filme é citado por incorporar aspectos desprezados da memória coletiva relacionada à colonização portuguesa.

O espanto ante o envolvimento amoroso de um negro com mulheres brancas e o inconformismo com a boa situação econômica de Joãozinho, ou seja, o racismo, ali emerge por trás da atuação da Polícia Política portuguesa.

O termo “kilapy” – está em todas as resenhas deste que é o segundo longa-metragem de Zezé Gamboa – vem da língua kimbundu e significa “golpe”, “tramoia”. Premiado em festivais sucessivos, o filme tem enredo palatável, ágil, resultante da sucessão de tomadas curtas. Mesmo nos momentos de maior dramaticidade, não há diálogos demorados, enfadonhos. Vale a pena vê-lo, ou revê-lo.

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UFPB debate indicadores socioeconômicos por grupo racial

Na próxima segunda-feira (29), a partir das 9h, acontecerá na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) um encontro interinstitucional entre os pesquisadores do Laboratório de Estudos em Modelagem Aplicada (LEMA) com representantes do Ministério da Igualdade Racial. O evento é aberto a toda comunidade universitária e ao público em geral. Estudantes que desejem certificados de participação deverão fazer suas inscrições através do Sistema Integrado de Gestão de Eventos (SIGEventos) até o dia 28 de abril.

O objetivo do encontro é discutir as bases de dados geradas pelo projeto Plataforma ODS RACIAL, uma iniciativa que visa obter informações sobre indicadores socioeconômicos segmentados por grupos raciais no Brasil para a Agenda 2030, um plano global da ONU inspirado nos princípios do desenvolvimento sustentável que tem como principal objetivo a erradicação da pobreza no mundo, e que, para alcançar essa ambiciosa meta, visa integrar ações dos governos, da sociedade civil, da iniciativa privada e de instituições de pesquisa espalhadas por todo o mundo.

A construção da plataforma foi uma inciativa do Laboratório de Estudos em Modelagem Aplicada (LEMA) da UFPB, vinculado ao curso de Ciência de Dados para Negócios, que conta com financiamento do Ministério da Igualdade Racial. Durante o evento, os pesquisadores do LEMA e os especialistas do Ministério discutirão o potencial uso das Bases de Dados e Indicadores Socioeconômicos no monitoramento da equidade no país, abordando áreas como saúde, bem-estar, representatividade, educação, emprego, renda, moradia, violência e segurança pública.

O professor Aléssio Tony, coordenado do projeto e docente do curso de Ciência de Dados para Negócios, considera que o encontro da próxima segunda oportunizará o aprendizado e o compartilhamento de conhecimentos entre a equipe de pesquisadores da UFPB e os especialistas do Ministério da Igualdade Racial. Trata-se, segundo ele, de uma contribuição para um país com mais igualdade de oportunidades e justiça social.

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RÉQUIEM PARA O PONTO DE CEM RÉIS, por Francisco Barreto

O urbanismo público, em João Pessoa, tem refletido a urgência e a incompetência produtivista de um “aleatório fazer público” atrelado aos ímpetos das vontades personalistas que resplandecem nos convescotes oficiais e deságuam nas propagandas institucionais e pessoais.

Decisões e projetos são gestados de forma precária à revelia da qualidade de vida urbana. Henri Lefebvre nos diz que o conceito mais profundo sobre o urbano inspira-se, em sua gênese, na cultura perpetuada pela história (daí a urbanidade) e, ainda, na escala humana dos espaços produzidos. Na urbis, o espaço deixou há muito de ser reservado às elites passando a ser sujeito e objeto do consumo coletivo.

A forma dos espaços produzidos ou reinventados deve se subordinar ao conteúdo. Na Carta de Atenas, em 1933, Le Corbusier nos ensinou que “a vida de uma cidade é um acontecimento contínuo manifestado através de séculos por obras materiais, traçados ou construções, que a dotam de personalidade própria e da qual vai emanando sua alma pouco a pouco”.

O pensamento de Le Corbusier nos leva a refletir sobre os impactos causados pela intervenção “urbanística” no Ponto de Cem Réis: o que restou da sua dimensão histórica, sentimental, estética e da solidariedade humana? O que significa esta celeridade produtivista, demagógica na recuperação de um espaço que teve no passado virtualidades plásticas compatíveis com elos de convivência humana? Qual o consumo coletivo possível neste espaço hoje avesso e árido à convivência popular?

A grande lápide que estenderam sobre o Ponto de Cem Réis garroteou e esterilizou definitivamente um lugar coletivo que, embora agonizante, ainda insistia em abrigar uma buliçosa e alegre alma popular. Sentenciaram de morte o Ponto de Cem Réis!

A morte, ainda segundo Le Corbusier, “não perdoa nenhum vivente, ataca também as obras dos homens”. O Ponto de Cem Réis de hoje é um zumbi que vagueia longe do passado desatrelado do presente.

O lugar das grandes manifestações públicas, dos alaridos das conversas prosaicas e jocosas, dos engraxates espiões da alma popular foi desertificado em definitivo. Logo aquele espaço que tanto contribuiu para formação histórica e urbana de João Pessoa.

Hoje, ali está um urbanismo sem alma, sem afeto, sem história, usaram e abusaram dos ângulos retos (tão execrados por Niemeyer). Impuseram uma aridez excessiva aliada a uma massa de cimento inerte, de estética abominável, que faria um geômetra corar de vergonha.

De que forma uma reconstituição fictícia e enganosa como esta do Ponto de Cem Réis poderá acolher a alma popular? Como um espaço frio e inerte poderá abrigar a convivência humana?

Se copiar o passado é uma mentira, o que dizer de um projeto cingido apenas a traços mal elaborados numa prancheta ou computador, escravizado por ordens superiores inspiradas no determinismo do posso e mando? Dói-nos a insensibilidade dos “urbanistas” oficiais de João Pessoa. Merecem um bom terapeuta freudiano.

O Ponto de Cem Réis de hoje é um simulacro grotesco de um “urbanismo desprovido de vida” que abortou o traço suave, estético, sedutor capaz de produzir espaço destinado a ser fruído pela vida coletiva da cidade.

Lamentável e insensível prancheta! Incapaz e insensível, e talvez não valha a pena avaliar, não houve a sensibilidade de repensar a vida no centro da Cidade.

A obra de cimento teve apenas um predicado: o de massagear o ego de quem a determinou, sacrificando o prazer e os desejos coletivos de fruição espontânea dos espaços urbanos. Prevaleceu apenas uma alegoria mal feita, grosseira, agressiva, consistente apenas com o urbanismo prepotente, quase fascista, ditado pelo paradigma do “meu espaço”, e não o dos outros.

Espaços coletivos sem alma são espaços natimortos brindados apenas com placas egocêntricas de quem se imagina ser o galo de Chantecler: “o sol só nasce porque eu canto”.

Sobre o Ponto de Cem Réis, que agonizava há quase 50 anos, foi estendida uma lápide sepulcral, merecendo apenas um epitáfio final: Aqui Jaz o Ponto de Cem Réis e a Alma Popular – muito contra a sua vontade, sepultados pelo prepotente urbanismo oficial.

• (Imagem que ilustra este artigo foi copiada da Wikimedia Commons)

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A FÉ REAVIDA, por Frutuoso Chaves

Imagem: Mobilit

Naquela noite de sábado, recusei o convite do meu neto para um passeio de tririciclo desde o Busto do Almirante Tamandaré até o Mirante da Praia do Cabo Branco, um dos mais belos trechos da orla de João Pessoa, a cidade que mais cresce no Nordeste brasileiro, ao que nos assegura a propaganda oficial.

Do alto de seus onze anos, Miguelzinho mal percebia que o avô não iria dar conta dos oito quilômetros de pedaladas naquele troço pesado, se somados os quatro de ida com os quatro de volta. “Vai com teu pai”, propus, antes da resposta do meu filho mais velho: “Vai com tua mãe”. Pagaram à locadora, antecipadamente, por meia hora de uso daquilo e lá se foi a pobre Lucinha, tão animada quanto o filho, no lombo de uma ciclovia novinha em folha.

O desânimo desses dois era evidente, quando do retorno em 15 minutos, ou seja, na metade do tempo que seria gasto se o percurso fosse completado. Miguel tinha lágrimas. “Ele caiu”, alarmou-se, junto a mim, a avó que, desde o início, não concordava com aquela invenção. Procurei tranquilizá-la: Acho que eles arengaram”.

O tempo de espera por nora e neto me fez acompanhar de um banco aquele vai e vem interminável de adultos e crianças no ponto mais movimentado da Capital da Paraíba quando nos chegam as noites das sextas-feiras, sábados e domingos. Ali, a ciclovia, como não poderia deixar de ser, é uma exclusividade dos que pedalam, fazem uso de patinetes, ou de scooters elétricas.

Pude observar que a movimentação decorria, quase toda, do desembarque dos grupos alegres e ruidosos de gente jovem e das famílias procedentes dos bairros mais afastados para o bom proveito da brisa marinha, o passeio e brinquedos dispostos no calçadão largo e comprido, ou para as mesas dos bares, quiosques e restaurantes existentes em grande quantidade desde o MAG Shopping, no fim da Praia de Manaíra, até o Mirante do Cabo Branco, ponto final de um trajeto de oito quilômetros. O epicentro dessa festa, o Largo de Tambaú, área onde o Almirante tem seu busto, fica na metade do caminho e é a cereja do bolo.

Acho que os residentes fogem, ali, do burburinho noturno dos fins de semana. Deixam o calçadão e seus atrativos para os que vêm de fora. Nas manhãs e tardes, porém, aquilo tudo é recanto deles. Mal o sol se levanta, já ocupam a calçada e toda a rua (então livre dos carros) para as caminhadas, as pedaladas e as corridas diárias a poucos passos do mar, neste caso, quando o corpo e o espírito ainda suportem o ritmo das maratonas.

Diga-se que todo o lugar também é uma festa aos olhos dos turistas que a cidade recebe em fluxos crescentes. Estes últimos logo notam a diferença, para melhor, entre nossa orla e as das demais capitais litorâneas. E, também, logo se informam de que estão a visitar um ponto da cidade onde os grandes edifícios estão legal e absolutamente proibidos.

Assim obrigados por preceito constitucional, os espigões aqui se tornam mais altos à medida que se afastam das praias. Então, é possível perceber das areias de Tambaú e Manaíra várias das mais elevadas edificações brasileiras instaladas no Planalto do Cabo Branco, o bairro mais caro e luxuoso de João Pessoa. À beira-mar, não. Neste ponto, a lei impõe construções sobre pilotis com, no máximo, três andares. E, com isso, confere a um dos trechos urbanos mais modernos do País ares de interior que surpreendem e encantam os visitantes.

É norma que vale para os hotéis. Naquele sábado, levamos um Miguel choroso à lojinha de açaí que funciona ao lado de um deles. Nada como uma boa lanchonete para aplacar tristezas. Foi quando nós, os avós, nos inteiramos do problema: nosso neto havia perdido o iPhone. O aparelho, no sobe e desce dos pedais, caíra do bolso raso da sua bermuda sem que isso fosse percebido por ele nem pela mãe igualmente amuada. Calado e sisudo, o pai pensava, certamente, no tamanho do prejuízo.

Propus, então, que ligassem para o número de Miguel. Minha nora respondeu que já havia feito isso cinco vezes, sem ser atendida. Pedi para que voltasse a fazê-lo. Quase acabados os potes de açaí e todas as esperanças, uma voz de homem fez-se clara do outro lado da linha: “Alô?”.

Pronto. Meu neto voltou a sorrir e assim também a mãe, enquanto o pai desanuviava o semblante. Encontramos Carlos, 15 minutos depois, ao lado do Almirante, onde postou-se com a mulher, a sogra e duas crianças a fim de facilitar a entrega daquilo que, advindos de um bairro periférico, encontraram no leito avermelhado da ciclovia, a meio caminho do Mirante.

Não fez questão pela gorjeta nem teve a menor ideia do quanto nos impressionou com sua decência num instante em que perdemos, dia após dia, aquilo não pode nem deve ser perdido: a fé na humanidade. É a Carlos, portanto, que dedico estas linhas breves e insuficientes para dele aferir, em sua exata dimensão, a dignidade e a honradez. A ele e a seus iguais.

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UM BOM CAFÉ NO PONTO DE CEM RÉIS, por José Mário Espínola

Ponto de Cem Réis na primeira metade dos anos 1960 (Foto: acervo Mirabeau Dias)

Lendo a coluna do bem-afamado jornalista Sérgio Botelho, tomei conhecimento de que o 15 de abril é o Dia Mundial do Café. A tradicional e deliciosa bebida, de origem certamente árabe, porém encontrada no mundo inteiro, trouxe-me outras recordações. No meu caso, dos cafés do Ponto de Cem Réis (Praça Vidal de Negreiros), que no século passado era o centro vivo de João Pessoa.

Para quem viveu naqueles tempos e que como eu teve o prazer de frequentar aquele lugar mágico, sabe que aquela ao Ponto de Cem Réis afluíam tentáculos que se espalhavam pelas adjacências, como as ruas Duque de Caxias, Visconde de Pelotas e Padre Meira, além da Praça 1817.

Num tempo em que o centro de João Pessoa tinha vida pulsátil, a cidade vivia em torno dele. Era o centro nevrálgico, lugar onde era possível, até, fechar bons (ou maus) negócios. Para lá convergiam os habitantes da urbe (êita! Cá estou eu falando igual a um jornalista!), todas as tardes.

Pois é, todas as tardes, após as aulas, íamos nos encontrar no Ponto de Cem Réis: alunos do Liceu, do Lins de Vasconcelos, do Pio XII… Também acadêmicos de Medicina, Direito, Filosofia, Odontologia. Lá convivíamos pacificamente, reencontrando-nos nos cafés espalhados pela praça.

Ali também praticávamos atividades políticas contra a ditadura militar, na distribuição de panfletos ou em comícios relâmpagos de Washington Rocha, de Marcos Paiva ou do grande tribuno Mocidade!

Lá, no Café Alvear, no Café Santa Rosa e mais tarde no Café São Braz, sempre se ouvia uma boa notícia. Ou alguns boatos, geralmente oriundos do Palácio da Redenção, sede do Governo, ou da Assembleia Legislativa, que à época situava-se na Cidade Baixa, entre as praças Pedro Américo e Aristides Lobo.

Mesmo quem somente ia assistir a um filme no Cine Plaza ou no Rex, ao chegar ou ao sair passava por um desses cafés, para tomar um ou para saber “as novidades” e seguir caminho.

O Ponto de Cem Réis também tinha outras grandes atrações. Havia duas sorveterias: a Sorveteria Canadá, que segundo Petrônio Souto também servia um bom chope. Quando eu era menino, meu pai, Chico Espínola, nos levava para tomar sorvete de ameixa com creme de baunilha. Uau!

No lado da Rua Visconde de Pelotas havia a padaria de Seu Edson, pai do grande enxadrista Major, de saudosa memória. Vizinho à padaria, a uma farmácia, seguida do Cine Plaza, de uma loja, e do Edifício Ypiranga, onde ficava o ponto do ônibus do Roger e de Tambiá, que era o nosso bairro.

Ainda de acordo com Petrônio Souto, nesse edifício existia o Clube das Enfermeiras, que promovia todos os anos um animado baile de carnaval. Não é do meu tempo.

No térreo daquele prédio tinha o bar Escondidinho, assim chamado porque a porta de acesso ficava por trás do elevador.

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Ponto de Cem Réis e seus pavilhões em forma de rins (Foto: acervo Mirabeau Dias)

O Ponto de Cem Réis tinha em seu centro dois pavilhões em forma de rins. Num deles ficava a lanchonete e sorveteria do Seu Madruga. Na sorveteria do Seu Madruga serviam um excelente cachorro quente, acompanhado de soda, uma bebida gasosa filtrada na hora de servir. O outro pavilhão abrigava a maioria dos engraxates e dos sapateiros do centro e a banca de revistas do pai de Walter.

Em torno dos pavilhões ficava o Paraíba Hotel, com a Sorveteria Canadá, no térreo, e o Havaí Drinks, no mezanino. Na sua calçada havia uma excelente banca de jornal, de Reginaldo Cobrão. Vendia o Jornal do Brasil e o Jornal dos Sports, este de cor rósea, ambos do Rio de Janeiro.

Essa banca era um ponto de encontro de torcedores de times paraibanos, do Rio e, em menor número, de São Paulo, a quase totalidade formada por santistas. O debate entre os diversos torcedores provocava até brigas, vias de fato, mas Reginaldo intervia e acalmava os brigões.

No Ponto de Cem Réis existiam, também, duas padarias. A Padaria Fluminense, do pai de Dr. Marco Tadeu de Freitas Pereira e de Claudio Lévy, colega do meu irmão Silvino, ficava na calçada da Rua Duque de Caxias. E a Padaria Rosa de Ouro no lado do então prédio-sede do jornal Correio da Paraíba, onde, segundo Humberto Espínola, serviam pastéis de nata e deliciosas empadas com camarão.

Também orbitando o Ponto de Cem Réis, subindo a Rua Duque de Caxias à direita, na direção da sede do Clube Cabo Branco, encontrávamos a Casa dos Frios, do Seu Leodécio. O chope era gelado e o tira-gosto, ovos cozidos coloridos. Foi nela que eu tomei o meu primeiro porre, na excelente companhia dos amigos Fernando Furtado Filho, o Nino, e Idalvo Cavalcanti Toscano.

A Casa dos Frios ficava junto do primeiro endereço do Café Santa Rosa, vizinho à loja O Faqueiro, de Seu Ciro, pai de Ciro, Flávio Libânio, o Xaréu, que jogava xadrez muito bem. E de meu amigo Bosco, de quem tenho muita saudade.

Já subindo a rua Duque de Caxias à esquerda havia um bar chamado Porta Aberta. Acima dele, no primeiro andar, uma república de estudantes denominada Castelo, habitada pela turma da cidade de Misericórdia, hoje Itaporanga.

Ponto de Cem Réis (Foto: acervo de Mirabeau Dias)

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Não somente os que aqui habitam como também pessoas que vinham do interior tinham um certo fascínio pelo local.
Chegando à capital para resolver algum problema, por exemplo, na Secretaria das Finanças, para se consultar com Dr. Arnaldo Tavares ou Dr. Osório Abath, ou apenas para tratar de algum problema no Tribunal de Justiça. Qualquer que fosse o motivo, terminavam dando ao menos uma passada por lá.

Essas pessoas chegavam cedinho no ônibus da Viação Gaivota, desciam na Praça Pedro Américo e se dirigiam para o local de destino.

Invariavelmente, após ter resolvido o seu problema, essas pessoas demandavam algum restaurante do centro, onde almoçavam. À tarde, dirigiam-se para um dos cafés do Ponto de Cem Réis, para fazer um lanche, tomar um café e fazer hora até chegar o momento do retorno à cidade de origem.

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Pois bem, esse foi o Ponto de Cem Réis que eu conheci e aprendi a amar. Para mim é muito triste ver a situação em que se encontra hoje, totalmente deformado, transformado numa laje fria e, assim como o seu entorno, semimorto. Tornou-se assim após a mudança das atividades vitais da cidade, do centro para a orla.

Já tive esperanças de revitalização do centro de João Pessoa. Hoje, não vejo mais retorno para o nosso ponto central. É a vida, a evolução…

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PURGANDO OS PECADOS NO SERTÃO, por Frutuoso Chaves

Transcorria julho de 1984 quando a leitura de um artigo do amigo Hélio Zenaide me fazia cair o queixo. Então Secretário de Comunicação da Prefeitura de João Pessoa, Helinho escrevera n’A União, o jornal pertencente ao Governo da Paraíba, sobre a visita de entidades extraterrenas a um grupo de moradores de Sousa, a mais de 470 quilômetros de João Pessoa.

Artigo do próprio punho, na página de opinião do Jornal, a fim de que não restasse dúvida quanto à história e sua autoria. Mesmo assim, liguei em busca da confirmação daquilo que eu acabava de ler.

Disse-lhe que pretendia encaminhar o assunto a’O Globo, do qual fui correspondente por toda a década de 1980. O homem me confirmou tudo, detalhadamente.

O jornal carioca divulgou a coisa na edição do dia 9 do mês aqui já referido. E o titulista me deixava mal com meu amigo. O cara assim grafou no topo da matéria publicada no primeiro caderno: “Richelieu, agora bancário, paga os pecados no Sertão”.

Sem fotos, naturalmente, de tal encontro, o Departamento de Arte d’O Globo completou o estrago. Alguém, ali, fez o desenho de um disco voador pousado na Caatinga e com a rampa baixada para o desembarque de Richelieu em cima de um jumento. Jornalista de longo batente, Hélio não rompeu comigo. Sabia que o título nem a ilustração eram coisas minhas. E sabia, é claro, dos riscos que corria ao dar publicidade ao assunto.

Dizia o texto que encaminhei à Sucursal recifense d’O Globo, onde foi recebido por Roberto Tavares, então encarregado da coleta e do repasse à Sede, no Rio, daquilo que produzia a rede regional de correspondentes:

JOÃO PESSOA – Contatos com naves interestelares e seres extraterrestres, revelações de que o Cardeal Richelieu, a eminência parda da França do Século 17 está vivendo no interior da Paraíba e a construção de um hospital fazem parte de uma espantosa história que envolve um grupo de pessoas, entre as quais figuras de expressão no Governo e meios empresariais do Estado.

A história é contada pelo Secretário de Comunicação da Prefeitura de João Pessoa, Hélio Zenaide, um dos integrantes do grupo e homem que também já foi Secretário de Educação, Finanças e Comunicação do Governo da Paraíba.

O hospital está sendo construído em Sousa, município do Alto Sertão, para reparar um mal causado à cidade francesa de Montpellier, em 17 de agosto de 1603, quando um exército de encapuzados, sob o comando do Cardeal, invadiu La Maison de Route (A Casa do Caminho), um albergue-hospital, destruindo-o e matando pastores protestantes e todos os enfermos.

Hélio Zenaide garante que foi o assassino de Charles de Montebrun, General dos Hunguenotes (exército protestante), fundador de La Maison de Route. Chamava-se, então, Vicent de Medard e era, ao que diz, “um fanático católico a serviço da Igreja de Roma”.

Richelieu, afirma Zenaide, está encarnado em um bancário que vive em Sousa. O grupo aumenta a cada dia à medida que outros “invasores de La Maison de Route” são identificados por Cleofas, um ser que, segundo o mesmo Zenaide, “habita Antares, uma estrela da Constelação de Escorpião” e que desembarcou, a 17 de agosto do ano passado, junto com Charles de Montbrun e outras vítimas do massacre de 1603 de uma nave espacial no local onde está sendo construído o hospital-albergue.

Visitei essa mesma edificação situada à margem da BR-230, entre Sousa e Aparecida, anos depois, já em pleno funcionamento, desta vez, para matéria destinada ao Jornal do Commercio, do Recife.

Eu e o fotógrafo fomos bem recebidos. Conversei com o pessoal da direção e com alguns internos – gente retirada das ruas e ali abrigada – todos solícitos. Mas, em nenhum momento, apesar da minha insistência, me revelaram a identidade atual do velho Richelieu. Perdi, sem dúvida, um bom papo. Outro fato a lastimar foi a notícia posterior de que “A Casa do Caminho” paraibana, que vivia de doações, passava por dificuldade financeira em razão da falta de apoio governamental.

Coisas ali percebidas ainda hoje me intrigam: o doce cumprimento de uma velhinha, seu olhar pacífico e penetrante a me acompanhar na conversa de varanda e, além disso, a presença intimidadora de um camarada alto e forte que tomei por segurança do lugar. Do meu pequeno grupo de interlocutores foram estes os únicos dos quais não me despedi porquanto não mais os via por perto. Êpa!

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